Tancredo Neves, o homem que devolveu a democracia ao Brasil, completaria 100 anos nesta semana. Cartas inéditas, trocadas entre ele e o ex-presidente Juscelino Kubitschek durante o regime militar, oferecem uma lição de espírito público cada vez mais rara nos tempos atuais
Na noite de 13 de junho de 1964, pouco mais de dois meses após o golpe militar que estabeleceu uma ditadura no Brasil, o ex-presidente Juscelino Kubitschek embarcava solitariamente no Rio de Janeiro rumo ao exílio voluntário na Europa. JK, o festejado presidente bossa-nova, tivera o mandato e os direitos políticos cassados pelos militares. Despedia-se do país sob o rugido aziago das turbinas do avião da Ibéria que o levaria a Madri. No jato, partiam Juscelino e os anos dourados. Em terra, ficavam os militares e os anos de chumbo. Quando Juscelino subiu as escadas do avião, um braço o alcançou. Era Tancredo de Almeida Neves, que completaria 100 anos nesta semana, em 4 de março. Aos 54 anos, Tancredo era deputado, crítico do regime, mas ainda não tinha o tamanho de Juscelino. Deixaram-no ficar. Juscelino, porém, projetava uma sombra democrática por demais incômoda aos militares. “Meu caro Tancredo”, escreveu Juscelino de Paris, dois meses depois do embarque, numa das primeiras cartas de uma correspondência que se avolumaria no decorrer daqueles tempos lúgubres, “lembro-me bem de que a sua foi a última mão que apertei antes de me dirigir ao avião. Naquele instante de brutalidade, a sua presença me confortou.”
Foi em meio à brutalidade do regime militar que a amizade entre ambos amadureceu, transcendendo as conveniências da política - e amadureceu por meio das epístolas que ambos trocavam. VEJA teve acesso a um conjunto de dez cartas inéditas, escritas por eles durante o regime militar.
No dia 24 de julho de 1964, quase quatro meses após o golpe militar, Tancredo enviou uma emocionada carta a JK. Escreveu o então deputado: "Sinto que se aproxima do fim o eclipse que nos envergonha diante das nações civilizadas e que já está à vista o dia em que iremos restaurar o clima de dignidade democrática por que anseiam todos os brasileiros, com a revisão das brutais iniquidades que maculam nossa história política". Tancredo sabia que o regime não agonizava. Queria confortar o amigo. A morte da ditadura só viria vinte anos depois, com a eleição dele à Presidência
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